terça-feira, 31 de julho de 2018

Gillette quebra a cara com propaganda de Neymar.

Esse foi o texto mais preciso que achei na Internet sobre a enrrolaçâo do Neymar mana propaganda da Gillette!!

Neymar & Gillette: a diferença entre desculpas, perdão e arrogância

Alguém realmente perdoou Neymar depois de ver o comercial da Gillette? Talvez seja a peça que mais escancare a distância entre os valores que queremos cultivar e os valores da sociedade do espetáculo, todos financeiros. O problema é que nem espetáculo nem dinheiro acessam aquele canto especial na alma das pessoas que as faz perdoar.

Era uma peça evidentemente talhada e escrita por quem entende muito de espetáculo e pouco de humanidade e perdão que, aliás, não se pede, é como a Graça, distribuído generosamente inclusive a quem não merece. Melhor do que ouvir falar de perdão pela assessoria de Neymar ou os piores escritores de auto-ajuda do mundo, contratados pela Gillette, é ler C.S.Lewis, um dos caras que mais escreveu sobre o tema.

Clive Staples Lewis morreu em 1963, mas você deve conhecer parte da obra dele: As Crônicas de Nárnia. Foi professor de Oxford e de Cambridge, cristão, teólogo e publicou diversos ensaios sobre perdão. Um deles, entitulado "Ensaio sobre o perdão", publicado pela Macmillan de Nova Iorque em 1960, traz uma provocação interessantíssima:

Existe toda a diferença do mundo entre perdoar e desculpar. Perdoar quer dizer: "Sim, você fez isso, mas eu aceito suas desculpas; eu não vou usar isso contra você e tudo entre nós será exatamente como era antes". Se alguém não teve culpa, não há o que perdoar. Nesse sentido, perdão e desculpa são quase opostos.

Desculpa é aquilo que realmente anula qualquer possibilidade de culpa ou intenção de fazer algo que levou ao resultado indesejado, a pessoa realmente não errou, foi vítima das circunstâncias.

Se você tem uma desculpa perfeita, você não precisa de perdão; se o conjunto das suas ações precisa de perdão, então não há desculpas para elas.

 C. S. Lewis diz que, na maioria das vezes, quando as pessoas dizem estar pedindo perdão, na verdade estão pedindo que Deus - ou os outros - aceitem suas desculpas esfarrapadas. É tudo culpa de "circunstâncias extenuantes", mas as atitudes perante elas vão sempre dependendo de mais desculpas empilhadas e não há desculpa que cubra a situação em que houve culpa.

Nós imaginamos que nos arrependemos e fomos perdoados quando o que realmente aconteceu é que nos satisfizemos com nossas próprias desculpas. Podem ser desculpas esfarrapadas: todos ficamos muitos satisfeitos com nós mesmos com facilidade.

Um texto de quase 60 anos é tão atual que praticamente narra o espetáculo triste que foi transmitido para o mundo todo em forma de vídeo. Triste porque enterra mais ainda Neymar e revela espontaneamente as entranhas de quem o cerca, de quem o patrocina, de quem engendra e aprova tais filmes. Ali, ninguém jamais pensou seriamente em perdão, tão satisfeitos que estavam consigo próprios. Vamos analisar ponto a ponto o que foi narrado por um Neymar titubeante com uma música emocionante ao fundo:

Trava de chuteira na panturrilha, joelhada na coluna, pisão no pé.
Amigos, isso só impressiona os nascidos no parque de areia antialérgica.
Você pode achar que eu exagero e, às vezes, eu exagero mesmo.
Mas só às vezes, ok?
Mas a real é que eu sofro dentro de campo.
Ja começou a dar desculpa sem pedir perdão: tem alguém que não sofra dentro de campo?
Agora, na boa, você não imagina o que eu passo fora dele.
Eu nem vou dar as estatísticas da fome e de criança morrendo de DIARREIA, mas a gente sabe que essa frase não faz o menor sentido.
Quando eu saio sem dar entrevista, não é porque eu só quero os louros da vitória, mas porque eu ainda não aprendi a te decepcionar.
E deixar de dar entrevista não decepciona as pessoas?
Quando eu pareço malcriado, não é porque eu sou um moleque mimado, mas é porque eu ainda não aprendi a me frustrar.
Essa não é justamente a DEFINIÇÃO de moleque mimado?
Dentro de mim ainda existe um menino. Às vezes ele encanta o mundo e às vezes ele irrita todo mundo.
E minha luta é para manter esse menino vivo, mas dentro de mim e não dentro de campo.
Com 26 anos... Mano, se não for problema psiquiátrico, não comoveu.
Você pode achar que eu caí demais, mas a verdade é que eu não caí, eu desmoronei.
ÚNICA FRASE MUITO OK.
Isso dói muito mais que qualquer pisão em tornozelo operado.
Daí já começa a se fazer de vítima de novo.
Eu demorei para aceitar suas críticas, eu demorei a me olhar no espelho e me transformar em um novo homem.
Mas hoje eu tô aqui, de cara limpa e de peito aberto.
Nada mais cara limpa e peito aberto que esse texto ma-ra-vi-lho-so feito por outra pessoa e divulgado num comercial.
Eu caí, mas só quem cai pode se levantar.
Qual a lógica dessa frase???
Você pode continuar jogando pedra ou pode jogar essas pedras fora e me ajudar a ficar de pé.
Uma frase nesse tom, julgando o interlocutor, é realmente o melhor jeito de pedir ajuda.
Porque, quando eu fico de pé, parça, o Brasil inteiro levanta comigo.
Amigo, quem é foda mesmo não diz "eu sou foda". Isso cheira desespero. Ficou terrível.

O texto é o retrato mais bem acabado do parque de areia antialérgica brasileiro: falta diversidade e sobra arrogância. Quando não há multiplicidade de visões, quando todas as pessoas que trabalham em algo têm o mesmo passado, o mesmo dia-a-dia, a mesma cultura e os mesmos conceitos, o resultado pode ser esse: falta uma visão externa do ridículo da situação.

É um absurdo uma empresa do tamanho da Gillette pagar o que pagou para o lançamento de um texto completamente sem noção, desdenhando do sofrimento cotidiano do brasileiro, pedindo ajuda ao mesmo tempo em que julga, fazendo afirmações sobre personalidade absolutamente ridículas e, ao final, tendo o efeito oposto do que deveria simplesmente porque é de baixa qualidade. As pessoas não são todas idiotas como julga quem produziu essa peça, têm sentimentos e raciocinam.

O Brasil não reclamou que Neymar caía, reclamou de um ídolo fake, uma personalidade em que tudo soa falso, do exagero nos tombos às aparições na imprensa. A resposta, sabe Deus como aprovada por profissionais regiamente pagos e supostamente preparados para a função, é um vídeo artificial, inteirinho montado com efeitos especiais, uma narração de um texto escrito por outra pessoa feita por um titubeante Neymar que só aparece ao final, para ilustrar o slogan do patrocinador.

Neymar inventou o pedido-de-desculpas-com-merchan, não funciona nem para ser perdoado nem como merchan.

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