terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Queimando o filme - Tiberio Alloggio


A prisão de José Arruda, o governador do Distrito Federal, é sem dúvida nenhuma um grande golpe contra a impunidade. Nunca antes neste país um governador no exercício do cargo havia sido preso.

Um sopro de ar puro para todos aqueles que, diante de tanta desfaçatez, clamavam por alguma reação da sociedade e suas instituições.

Os mais otimistas acharam que o Brasil finalmente lavou a alma. Mas apesar da euforia legitima do fato em si, a realidade nosso do judiciário sugere evitar os exageros.

O fato é que o Poder Público do Distrito Federal há tempo vinha sendo contaminado pelo vírus da corrupção. Um vírus que bem adaptado ao clima seco da capital do Brasil prolifera como nunca.

Se o Poder Executivo do Distrito Federal (há décadas) estava totalmente possuído pelo vírus, o Legislativo também (fora algumas exceções) vinha sofrendo um processo de contaminação geral.

Essa grande contaminação fez com que os protagonistas do demo-mensalão fossem perdendo todos os cuidados básicos que operações ilegais dessa natureza requerem. Os pilantras, pelo fato de estar todos no mesmo barco, acabaram por se sentir totalmente a vontade, e baixaram a guarda.

Com isso, decretaram o fracasso de uma das maiores inovações na politica da corrupção: “a democratização da propina”. A mais recente e ousada estratégia participativa de distribuição do bolo.

O mote do demo-mensaleiro Arruda era o seguinte: “ou todo mundo mete a mão, ou restaure se a moralidade”. Liberando finalmente a locupletação para todo o alto escalão do poder público.

O que Arruda e seus cúmplices, porem, não previram foi a gravação dos encontros por um dos tripulantes do barco. Uma técnica usada como mecanismo de autodefesa.

E não se tratava de um tripulante qualquer, mas do próprio “operador”. Aquele encarregado pela distribuição dos pães e dos peixes.

O objetivo das gravações era a garantia do “operador” de não afogar sozinho caso algum dia o barco fosse fazer água. Seu raciocínio foi simples: se me pegarem, o barco vai ao fundo comigo. E não sobrará ninguém.

A prisão de Arruda resulta desse processo de precaução-traição do seu “operador”. Onde as medidas para conter as consequências vieram fatalmente a acelerar a queda da quadrilha.

Dado o alto grau de contaminação, não há no Distrito Federal alternativa de substituição de José Arruda pela hierarquia política natural. O vice-governador e a maioria dos deputados distritais estão todos envolvidos.

Não existe mais a possibilidade de garantir que um deles assuma o governo para salvar os sobreviventes. Quem por ventura se atrever a assumir o governo, cairá em seguida.

Resta, como última alternativa, a intervenção federal, que já foi pedida.

O que precisará ser avaliado, na sequência desse escândalo, é se o desmantelamento da demo-quadrilha do Distrito Federal resultará (ou não) numa redução da corrupção.

O modelo Arruda é filho direto do “mensalão mineiro”, idealizado pelo ex-governador tucano de Minas Eduardo Azeredo, com a cooptação dos deputados para garantir a “governabilidade”.

Uma distribuição ampla e continuada de mesadas para garantir o controle absoluto do governador nas suas ações e operações.

A prisão de Arruda é um grande golpe sobre esse modelo corrupto de cooptação política, sobre quem o adotou e/ou ainda quer adota-lo. Mas que não irá acabar com as praticas politicas ilícitas.

No entanto, haverá uma retração aos financiamentos ilícitos de campanha, que deverá influir negativamente nos mecanismos de financiamento das campanhas de 2010. Os caras serão obrigados a ter maiores cuidados no manejo dos financiamentos ocultos.

Nesse sentido, José Arruda já está sendo execrado pelos seus colegas partidários, não pelo fato de ser um ladrão, mas por ter sido “pego” e culpado por “secar a fonte”.

Ou seja, aquele que queimou o filme.

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* Sociólogo, reside em Santarém. Escreve regularmente no blog do Jeso (www.jesocarneiro.com.br).

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