quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Cidade Perdida

por Helvecio Santos (*)

Blog do Jeso | Helvecio SantosO título deste texto é o nome de um belíssimo filme estrelado e dirigido por Andy Garcia sobre a Revolução Cubana vista pelos olhos dos que sofreram perseguição do regime imposto por Fidel Castro. Já assisti a mais de três vezes e gosto tanto que minha Rosane presenteou-me a trilha sonora. O CD, “The Lost City”, com ritmos cubanos, a exemplo do filme, também é lindíssimo.

Após assistir ao filme descobri que Andy Garcia e eu temos pelo menos uma coisa em comum. Tenho também uma Cidade Perdida, no caso, minha querida Santarém!

Desde 2004 não beijava o chão do Aeroporto. Entre 16 e 29 de outubro estive aí. Cheguei de surpresa em nossa casa ali na 24 de Outubro e das duas irmãs que lá moram, uma conversou durante dez minutos comigo para só então perceber que aquele cara de óculos escuros e camisa do meu “São Francisco Valente de Guerra” era seu irmão.

A outra, chegando em casa, ao me reconhecer pelas costas teve um leve desmaio, prontamente apoiada por mim e, sob a ameaça que se não parasse de chorar retornaria ao aeroporto, prontamente começou a gargalhar e cantamos juntos “…vencer, vencer, vencer, uma vez Flamengo, Flamengo até morrer”.

Apesar da alegria de rever familiares e amigos, retornei ao Rio de Janeiro extremamente triste. Nossa cidade está um caos, pior do que em 2004, penúltima vez que aí estive. Meu primeiro susto foi com a 24 de Outubro, cheia de buracos e poeira da terra colocada para tapar outros, lixo em toda sua extensão, esgoto a céu aberto, calçadas desniveladas ou quebradas e tomadas pelos comerciantes que fazem do público uma extensão dos seus negócios, bueiros sem tampa, rua sem arborização, mato crescendo junto ao meio fio etc etc etc.

Como sou otimista pensei que aquele triste quadro estava restrito à querida 24 de Outubro, passarela de minha adolescência. No dia seguinte caminhei pelo cais até o Museu João Fona e voltei pela Rua do Comércio parando em um animado karaokê em frente à Ypiranga do sorridente Cacheado, onde tive o prazer de desfrutar da companhia gentil do Renato Agnelo Loureiro e de outras pessoas que me reconheceram por detrás dos óculos escuros. Nos outros dias busquei ruas ou praças que me fizessem bem aos olhos e a busca foi em vão. O quadro é desolador, Santarém está totalmente desfigurada, pode-se dizer, abandonada!

O Mercado Modelo arrasta-se em uma obra que dura mais do que o prometido aos proprietários dos boxes os quais, por empenho da Prefeitura, foram arrumados num tablado onde antes era rua. A antes bela e arborizada Praça Rodrigues dos Santos está tomada por lojinhas de suspeita utilização, algumas até com cozinha e banheiro tipo “ali, seu mínino”.

O tão cultuado cais, vedete do que se convencionou chamar orla, está quase em estado de abandono. A obra de embelezamento em muitos pontos já necessita de manutenção. Some-se a isso o fato de ser usado como local de carga e descarga dos barcos, o que requer exercício de contorcionismo para quem pretende ali passear sem ser trombado por um carregador.

Ponteando – não o violão da canção Terra Querida – esse quadro de horror, há o insuportável fedor de esgoto que exala das diversas línguas podres despejadas em frente à cidade ou das poças de lama, buracos feitos por hélices dos barcos na época de cheia.

A estação das águas já se aproxima e os danos da cheia anterior ainda não foram reparados.

A Praça da Matriz até que é bonita, isto se vista domingo à noite, pois nos outros dias da semana está tomada por essa praga que se chama camelô, normalmente vendedores de rede e que se a Prefeitura for averiguar, são comerciantes que pagam um só alvará e através desse artifício estendem seu negócio a vários pontos. Se assim não for, cabe a pergunta: de onde vem a mercadoria dos camelôs?

A Rua do Comércio, badalado Belo Centro, de belo não tem nada. Como de resto em toda cidade, esgoto a céu aberto, boxes no meio da rua sem manutenção, lixo jogado por todo lado por falta de lixeira. Some-se a tudo isso o serviço de som de algumas lojas e seus improvisados propagandistas/locutores e o inferno é logo aí.

Os motoqueiros fazem o que querem no trânsito e numa cidade onde há carência de transporte público, a Prefeitura até hoje não se dignou a construir sequer um metro de ciclovia.

Também, com todo respeito e no intuito de alertar para um problema crucial e de fácil solução, é importante perguntar: nossa Prefeita nunca andou na rua com carrinho de bebê? Nossa Prefeita não tem um amigo cadeirante? Ora, em recente artigo no Gazeta sobre os 90 anos do “Seu” Cazuzinha, o secretário de planejamento Dr.Everaldo Martins Filho, diz que ACESSIBILIDADE é um direito. Assim, se isso é sabido, por que não obedecer o dispositivo adequando nossas calçadas ao bem estar dos munícipes?

São perguntas que deverão ser respondidas nas urnas e para ser mais explícito, votos fáceis de ganhar.

Minha ida a Santarém, nesse aspecto, deixou-me profundamente triste pois constatei que toda a cidade está esburacada, poeira por todo lado, mato invadindo as ruas, lixo por toda parte, esgoto correndo a céu aberto, comerciantes tomando a calçada e obrigando os pedestres a se arriscarem em meio aos carros, carros estacionados por todos os lugares, terrenos sem muro e assim transformados em depósito de lixo e um calor infernal por falta de arborização.

Nessa descrição de horror poderia alongar este texto por muitas e muitas páginas mas acho que o que iria escrever é do conhecimento de todos, inclusive dos integrantes do Executivo.

Com lágrimas nos olhos constato, a exemplo de Andy Garcia, também tenho minha Cidade Perdida ou para ser abrangente, temos Santarém, nossa Cidade Perdida.

Perdemos nossas calçadas para os gananciosos comerciantes. Perdemos nossas praias para o cais de arrimo, para as línguas fétidas de esgoto e para os proprietários de barcos que fazem delas seu embarcadouro particular. Perdemos a brisa do Tapajós para a falta de arborização o que, se pensarmos que estamos na Amazônia, é um absurdo escandaloso. Perdemos o santo silêncio do Tapajós em seu exibicionismo romântico a desfilar para os enamorados para a boçalidade dos filhinhos de papai em seus possantes 4 x 4 com estrondosos sons. Perdemos a Praça da Matriz para os espertos e preguiçosos camelôs. Perdemos o banho no verde cristalino para os barcos que ali despejam óleo queimado, toda podridão que os incomoda além do esgoto biológico. Perdemos o sossego de atravessar as ruas pela falta de educação dos motoristas. Perdemos o prazer de pescar charutinhos de garrafa para as cortantes hélices dos potentes barcos. Perdemos, perdemos, perdemos…

Leonel Brizola dizia que os recursos necessários a uma boa gestão estão na cabeça do bom administrador. Dói saber que boa parte das ações para fazer de nossa cidade uma cidade de gente (não “da gente” que implica propriedade) não requer recursos. Basta usar a estrutura existente, ter compromisso com o bem estar da população e amor por esse chão. Dói também pensar que recursos não faltam, facilidade política também não, eis que os três níveis de poder são do mesmo partido e a Prefeita transita com desenvoltura em todos os níveis. Nas sábias palavras do meu querido Gil Serique, basta “preparar a cidade para quem nela vive”.

Mas a triste realidade é que por falta de vontade política, de comprometimento com o futuro de nossas gerações, estamos perdendo tudo.

Antes de sair de Santarém, olhei bem o Tapajós! Cismo que se demorar muito a voltar não mais o encontrarei.

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* É santareno, advogado e economista residente no Rio de Janeiro (RJ). Escreve regularmente no blog do Jeso (jesocarneiro.com).

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