segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

E se fosse o MST ?


por Tiberio Alloggio (*) As primeiras chuvas de 2010 bateram à porta e a paisagem de uma das margens da estrada que leva ao aeroporto de Santarém já não é mais a mesma. A fisionomia mudou, de novo. As cores marrom-cinzas, o cheiro das queimadas e a fumaça, que durante o verão haviam substituído o verde fechado das árvores, deixaram agora o espaço a uma nova mata, desta vez baixa e rasteira. De uma hora pra outra, como por um milagre, uma nova visão abriu-se para quem costuma transitar naquelas bandas. Agora, da estrada, é possível enxergar o Rio Tapajós e o Lago do Juá. Barracos fajutos, erguidos só para mostrar que há sem tetos ocupando o lugar, também integram a nova paisagem. É uma fila monótona de esqueletos de madeira, rompida apenas por alguém (mais abusado), que chegou a contratar pedreiros para erguer algo que assemelhe a uma construção de tijolos. E foi assim, de uma temporada pra outra, que a última grande área verde urbana de Santarém foi para o brejo. O último minifúndio urbano, que deveria ter sido desapropriado pelo poder público há décadas, caiu! Tomado pelos laranjas da faminta classe média dos comerciantes, taxistas e demais profissionais liberais, que integram a prospera indústria das ocupações abusivas. Aquela mesma que antecede à especulação imobiliária, um dos segmentos mais “produtivo” da “Perola do Tapajós”. Tudo isso na maior cara de pau e sem nenhuma ação ou reação. Nem dos proprietários, nem da cidadania, nem da justiça e tampouco do poder público. Como se sabe, LoSTM é um daqueles lugares onde tudo pode sem suscitar a minima reação das autoridades. É o lugar onde você pode ocupar uma calçada, com qualquer coisa, até com uma construção se quiser. Pode fechar uma rua para uma festa particular. Andar de carro numa praia. Enfim… pense em alguma besteira, qualquer ideia idiota que lhe passe pela cabeça, e experimente! Nada vai lhe acontecer. Em LoSTM, abuso e impunidade reinam soberanos, tudo pode. Ou quase. Quase é claro. Pois tentem imaginar o que teria acontecido se tal minifúndio ao invés de “grilado” e “tragado” pelo nosso povo bem-pensante, tivesse sido ocupado pelo MST. Imaginem a reação da nossa sociedade. Da imprensa. Da nossa “classe empresarial”. Ou dos nossos profissionais liberais. Vereadores e deputados. Dos nossos Verdes (new e old). Ou da Justiça, da Polícia, do Poder Público, etc. etc. etc. Enfim, a reação do conjunto da sociedade bem-pensante, aquela mesmo que fica indignada quando encontra um buraco na frente de casa ou na sua rua. Seria o fim do mundo! Repórteres fixos e celulares, ligando o tempo todo para abastecer os conteúdos das homílias matutinas dos locu-pastores FM. E bota lá enquetes do dia e mesas redondas malhando os terroristas, comunistas e vagabundos do MST. E as emissoras locais? Já imaginaram seus “âncoras” berrando unidos naquele inconfundível estilo brega? Ou as estagiárias da TV Tapajós, desta vez velejando de Kitesurf no lago do Juá para mostrar a brutalidade dos sem-terra contra a natureza? E nosso setor “produtivo” (como gostam de se definir)? Imagine-os impetrando através da senadora Katia Abreu (maior grileira do Tocantins) um pedido intervenção federal no município, por manifesta incapacidade da prefeita de garantir o direito de integração de posse contra a invasão da propriedade privada (a deles) que é sagrada. A Câmara de Vereadores poderia finalmente trabalhar dedicando uma sessão por semana ao tema da “expansão rural em área urbana”. Enquanto o deputado Alexandre Von, na Assembleia Legislativa (batendo no MST), teria a grande chance de superar o seu próprio recorde de 528 pronunciamentos sobre o Hospital Regional. Os Verdes (new e old) lamentariam a ausência de banheiros públicos e protestariam contra o poder publico pela falta de ciclovias. Tivesse mesmo ocorrido a ocupação do minifúndio do Juá pelo MST, as tropas de choque de todas as polícias teriam sido acionadas. A subversão comunista teria sido dispersada a bala. Muitos invasores feridos, e alguns deles presos e logo condenados pela justiça. Mas, graças a Deus, não foi o MST a invadir o minifúndio do Juá. Foram os nossos comerciantes, taxistas e demais profissionais liberais e seus laranjas. Gente trabalhadora, que sabe se sacrificar para uma Santarém mais linda e desenvolvida. E que em nome da rentável indústria das invasões e da especulação imobiliária estão dando um fim naquela área. Mas fazer o que? É assim que LoSTM funciona, e para implementa-la é preciso trabalhar sem distúrbios, no silêncio cúmplice da “nossa sociedade bem-pensante”. ————————————————— * É sociólogo e reside em Santarém. Escreve regularmente no blog do Jeso (www.jesocarneiro.com)

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